18 DEZ 2018 - Contam as Sagradas Escrituras uma história… Ou seria estória… Sim, porque história é fato que ficou para trás e que, às vezes, nem nos lembramos mais dos seus detalhes.

 

Ao passo que, estória não! Sempre nos lembraremos, sempre queremos que nos contem, como crianças que pedem aos pais para que lhes contem uma estória. Só quando ficarem adultas é que voltarão a ser crianças novamente, todas as vezes que contarem para outras crianças aquela mesma estória… E ela nunca mais será esquecida.

Quantas vezes são contadas as estórias! Não importa que seja repetida. É exatamente isso que dá o sabor de ser uma estória. Repeti-la é revivê-la, é saber que não será esquecida. Sua repetição é a garantia do encanto de torná-la sempre nova… Quem sabe seja por isso, para não esquecer, para reviver e, principalmente, para ser criança de novo, que os idosos repetem uma história várias vezes… para torná-la estória. É o que chamamos de fazer memória na liturgia… A história é transformada em estória…

Voltemos às Sagradas Escrituras. O fato-estória é que, três magos, porque não eram reis, mas sim, sábios que procuravam nos céus, nos astros, nas estrelas, uma resposta para as suas terríveis e conflitantes perguntas sobre a origem, a existência e o destino da humanidade, leram em uma bela e grande estrela, que suas questões tinham chegado ao fim, pois a resposta veio através de um menino. Mas, ainda cheios de curiosidade, continuaram a fazer suas infindáveis perguntas sobre a humanidade: sobre o bem e o mal, sobre o amor e o ódio, se haveria ou não esperança para o ser humano, envolto em tantos desencantos provocados por ele mesmo. O mundo já não mais vivia em paz. Uns dominavam os outros; inúmeras pessoas excluídas das condições mais básicas de seres humanos, pela fome, miséria… Essa história vocês já conhecem…

Depois de tantas procuras e discussões, os magos foram seduzidos pelo brilho e força de persuasão da estrela que os guiou até o menino. Dias de procura, inebriados, hipnotizados pela estrela, chegaram ao lugar onde estava a criança indicada. Perceberam os magos que as respostas para as questões humanas postas por eles e por tantos, não estavam nos céus, no alto, nos astros, mas aqui, numa criança, num menino… “um menino, envolto em faixas, deitado numa manjedoura…”.

Descobriram os magos que aquele menino possuía a chave para as suas questões, pois Deus mesmo viera dar-lhes as respostas. Quantos enfaixados não são encontrados diariamente! Enfaixados pela dor, pela desventura, pela falta de saúde… Vislumbraram os magos, naquele menino, que os enfaixados da vida têm remédio, a vida não está perdida… Que a história foi transformada em estória, com encanto, em mistério…

Extasiados, contemplaram os três magos, que Deus veio comer conosco… Deus veio cear, fazer festa conosco…! Que aquela manjedoura era o prato de Deus, comendo com a humanidade. Mas, um menino estava no prato! Deus mesmo seria o nosso alimento? Sim, alimento a nos devolver a força, a esperança e a capacidade de brincar novamente, como crianças. A transformar a vida cotidiana em uma brincadeira séria de meninos e meninas.

Foi por isso que os magos não voltaram a Herodes. Ele não sabia brincar como o Deus Menino… E os magos contaram essa estória aos adultos, que contaram às crianças, que contaram…

Para não mais esquecer essa estória, certa vez, alguém decidiu torná-la célebre (celebrá-la) num rito que passou a contar a estória de um Deus que veio brincar com a humanidade, veio brincar de ser humano. A teologia cristã dá a isso o nome de “encarnação”. O Natal é Deus dizendo que o humano se tornou divino.

E fomos descobrindo nessa brincadeira, que Deus é uma criança, que “viu a miséria e ouviu o clamor do seu povo”. Viu o humano como os cacos de uma bela obra de arte que se quebrara em mil pedacinhos. Ele então, resolveu não ficar lá em cima, mas veio recolher os cacos conosco, para devolver à vida o seu brilho de arte, de preciosidade, transformando os cacos em brinquedos de criança, pois a vida encontrou sentido de ser: na gratuidade. E não foi papai-noel quem nos contou isso tudo, porque, sua “estória” não é gratuita…

Assim, começamos a brincar com velas que iluminam as trevas; com pão e vinho, que alimentam e fortificam… E, como crianças, que olhando as estrelas e escutando os pais, pudemos sonhar com um mundo mais divino, porque humano, pois Deus nos deu um presente: seu Filho, que veio brincar conosco, transformando nossa história em estória divina…

Somos, contudo, preparados, ou melhor, nos preparamos para ouvir essa “estória”. Até o dia da grande festa, durante quatro semanas fazemos uma caminhada espiritual. A “estória” ganha um ar de surpresa. A surpresa que Deus guardou para toda a humanidade e que, numa noite luminosa será revelada. A liturgia chama esse tempo de Advento.

Nas duas primeiras semanas, celebramos os sinais do mundo que Deus quer para nós e que fora revelado através do Cristo, mas que, um dia, será plenificado. Isso alimenta em nós o desejo da vinda gloriosa do Senhor. Nas duas últimas semanas, celebramos a aparição histórica do Senhor em nossa carne, fazendo a memória histórica do seu nascimento em Belém.

Dessa maneira temos:

No primeiro domingo do Advento, somos a comunidade-esposa que vigilante, espera a volta do seu Senhor. Como um vigia que não cochila, permanecemos de pé, numa espera ativa e atenta aos sinais da manifestação de Deus acontecendo no presente da nossa história. Atentos ao Deus que vai transformando nossa história em estória…

Tendo atendido ao chamado para estarmos vigiando, João Batista, no segundo domingo, nos indica a maneira concreta para esperar o Senhor: aterrar os vales, aplainar as colinas… Nossa vigilância se dá no trabalho concreto para manifestar o Reino de Deus revelado em Jesus.

Mas, Jesus já veio, ouvimos na “estória” que fora contada. Assim, no terceiro domingo o Batista dá lugar ao Cristo que em sua vida e atividade, mostrou que, em todos os tempos, pode ser encontrado em cada pessoa desfigurada, que está presente, recuperando a vida, onde ela é ameaçada, como boa nova aos pobres. Nosso agir assim, tem como meta a realização do plano de amor de Deus e como referencial, aquele Menino-Deus, que nos ensinou como agir.

Somente assim é que Maria, no quarto domingo do Advento, nos impele a receber, a acolher o Emanuel – o Deus conosco, que nos veio visitar. Seu cântico é a certeza da constante intervenção de Deus em nossa história. E ele permaneceu em nosso meio, e ficará até o fim dos tempos… brincando conosco, para que a nossa esperança cristã nunca perca a “magia” da estória.

Pe. Hernaldo Pinto Farias, sss
Doutor em Sagrada Liturgia
Membro do Centro de Liturgia Dom Clemente Isnard

Fonte: centrodeliturgia.com.br