24 JULHO 2024

PE. DEOLINO PEDRO BALDISSERA, SDS


Conta-se que o Rabino Zusya irrompeu em lágrimas no leito de morte. Perguntado sobre o porquê estava chorando, ele respondeu: “quando eu for levado à presença de Deus, ele não vai perguntar por que não fui Moisés, afinal de contas eu não sou Moisés; Deus também não vai perguntar por que não fui Isaias, porque também não sou Isaias; Por que estou chorando? Por que Deus vai perguntar: Por que cargas d’água você não foi Zusya?

Assim é a vida de muitos. Frequentemente deixamos nossa originalidade de lado e assumimos um figurino que não é o nosso. Preferimos ser xerox de outros do que ser original. Por que isso acontece? Talvez haja várias explicações, mas penso que a principal está vinculada a dificuldade de autoaceitação. Nosso “complexo de inferioridade” que expõe nossas limitações é uma ameaça constante para um eu imaturo, que precisa sentir-se sempre aprovado pelos outros para sentir-se bem. A estima pessoal depende deles e não de si próprio! Essa falsa percepção cria o mito da perfeição ou do sábio que deve saber tudo, e nunca falhar em seus propósitos. Mostrar-se sempre inabalado, jamais criticado e sempre aceito. Essa é uma expectativa frequente em quem não se deu conta ainda de que é um ser limitado sujeito a fracassos e aceitar-se mesmo assim! É difícil reconhecer as próprias limitações e conviver com elas pacificamente. Rejeitar-se diante de fracassos é a saída que muitos encontram para esconder-se da própria nudez e fingir que não aconteceu nada.

Ser sujeito da própria história implica em responsabilidade diante do que se faz ou deixa-se de fazer. Assumir as próprias decisões com suas consequências é pôr-se em sintonia com suas convicções formadas em base de princípios válidos que vão além de conveniências momentâneas. Manter-se de pé sobre as próprias pernas diante dos fracassos é uma prova de que está sendo aquilo que acredita e não marionete manipulada pelas opiniões alheias ou configuradas por desejos de grandeza e auto referencialidade.

Vivemos uma época em que a inteligência artificial constrói figurinos baseados nas características pessoais e capaz de reproduzir quase com perfeição o modus vivendi da pessoa. Tais representações enganam os expectadores aponto de fazê-los acreditar que estão diante de um sujeito real, sem dar-se conta que é “artificial”.  E muita gente gosta de ser visto como especial (artificial), porque não aceita o ser limitado que é.

Daí surge a necessidade de vez enquanto de se perguntar a quantas anda sua originalidade? Quais os valores em que acredita de verdade, que convicções tem que orientam a vida? Quem se perde na busca de cópias xerox de si nos outros, nunca vai encontrar-se consigo mesmo. Os outros são importantes enquanto modelos identificadores na adolescência. O adolescente precisa deles para desenvolver sua própria identidade, como espelho reflexo, mas como adultos já deveríamos ter superado esta fase. Se ainda não temos firmeza de caráter e personalidade definida com características pessoais e subjetivas, continuaremos a ser reflexo do que os outros esperam de nós.

Zusya tinha razão de chorar por se apresentar diante de Deus sem ter vivido a própria identidade e se perdido na busca da que não era a sua. Por isso antes de estar no “leito de morte” é tempo de reencontrar-se consigo mesmo e se apresentar diante de Deus não como cópia, mas com a originalidade que sua imagem e semelhança imprimiu em nosso íntimo. Ser adulto não é fácil em um mundo que nos quer xerox, consumidores de modelos ditados pela moda e pela mídia.