08 ABRIL 2025

PE. DEOLINO PEDRO BALDISSERA, SDS


Obs. Texto longo – reflexão sobre a crise ambiental, COP 30, CF2025)

Certo dia três peixinhos: Judi, Joca e Jadi, se encontraram em uma assembleia convocada para tratar do futuro dos peixes. procediam de águas diferentes.

Judi vivia em uma grande lagoa que recebia águas de diversos rios, alguns com águas limpas outros com águas poluídas.

Joca, vivia em um riacho que corria na floresta, com águas límpidas, que passavam por pedras e havia folhas das árvores que nadavam por ali.

Jadi vivia nas águas altas, viajavam por vários céus.

Alguns dados biográficos:

Judi nasceu nas águas da lagoa grande, filho de pais separados. Teve sua infância entre diversos coleguinhas originários de outras famílias de  ichthys (peixes). Criou-se nas águas turvas da lagoa semi poluída. Sua infância foi doentia e conflitiva devido as confusões entre familiares e as diferentes espécies de peixes. Sua alimentação não foi das melhores. Muitas vezes alimentou-se com restos de detritos, catados no lixo. Havia muita comida que não era própria para peixes, mas não tinha muita escolha. Em suas aulas de natação aprendeu a nadar sem respirar, ou melhor, respirando embaixo da água  poluída que se infiltrou na a lagoa. Tinha que manter a boca fechada para não engolir dejetos. Sua adolescência foi atribulada, ninguém o orientou sobre suas fases de crescimento, teve que se virar meio sozinho. Não se sentiu protegido pelos seus pais que nadavam a procura de alimentos para se manter, mas não lhe davam atenção que precisava. Sofreu bullying muitas vezes de seus colegas de outras espécies. Contudo, começou a questionar-se sobre o rumo que daria à sua vida e resolveu engajar-se numa causa que não era só dele. Em síntese teve um infância e adolescência constrita.

Joca tem uma biografia marcada pelas águas límpidas. Nasceu de parto natural, sua mãe era dona de rio, vivia ali perto, não precisava ir muito longe, os alimentos  conseguia ali nas águas, muitas árvores frutíferas deixavam cair frutos no rio e era só apanhá-los e pronto. Enquanto pequeno foi cercado pelos cuidados maternos e aprendendo a ser autônomo. Sua mãe ensinou-lhe como procurar alimentos. Encontrava para comer: insetos aquáticos, insetos terrestres, frutas que caiam no rio, algas filamentosas e detritos. Cresceu em águas límpidas. Teve uma infância e adolescência tranquila. Em função disso era bastante ingênuo, facilmente manipulado. Faltava-lhe experiência em desafios maiores em que tivesse que se testar. Apareceu-lhe a oportunidade da assembleia...

Jadi vem de um mundo novo, mora nas águas altas, povoado pela inteligência artificial Sua morada é nas nuvens. Seu dia a dia é complexo, muda frequentemente de figura, sua identidade é difusa. As águas por onde se movimenta são bastante flutuantes, hora aqui, logo depois ali, lá. Seus dias dependem muito de algoritmos e sua identidade de peixe fica um pouco entre dois mundos, o real e o digital. Vive papéis diferentes, às vezes, com pouca distinção para os que o vê. É ao mesmo tempo real e digital. Ainda meio estranho para os peixes que moram em lagos ou riachos no meio da floresta. É uma nova raça de peixes que está surgindo, no que vai dar ainda não se sabe bem, está em evolução. Não conhece bem seus pais, são muitos cálculos para defini-los. Estava sobrecarregado de antenas que capam os ruídos vindos inclusive de outros águas astrais, ainda por serem descobertas!  O grande temor dos outros participantes da assembleia, é que ele domine os espaços com suas novidades e gere muita confusão. Ele tem uma capacidade de “adivinhar” o que os outros pensam e se antecipa em mostrar o “mundo” de um jeito surpreendente. Há uma curiosidade de como será sua atuação na assembleia dos peixes. Usa muito o algoritmo como ferramenta para se comunicar, é rápido para tomar decisões. Está sempre antenado. Parece mesmo que não sabe nadar como os outros peixes, compensa com movimentos verticais e horizontais parece puxado por ondas. Pela aparência, é peixe, mas pelas atitudes se comporta de modo estranho.

CARTA CONVOCATÓRIA PARA A PRIMEIRA ASSEMBLEIA DOS PEIXES EM ALTO MAR.

Primeira Assembleia dos peixes, convocada pelas associações das diferentes espécies, com habitat nas diferentes águas.

Agenda principal: tratar do futuro das comunidades dos ichthys.

Local do encontro será no centro do oceano de todas as águas.

Participantes: representantes de todas as etnias de peixes.

Data e horários no verão para quem habita no ocidente e inverno para que mora no oriente. O horário sujeito a variações da claridade solar. Não há exigência de trajes especiais. Cada um segundo seus costumes, com barbatanas ou não, com ou sem nadadeiras.

Língua oficial será a que cada um está habituado. Haverá interpretação dos movimentos, e disponibilidade de um manual de sons característicos da diversas espécies. Permitido uso de mímicas e balbucios.

CHEGADA DAS DELEGAÇÕES...

Chegada dos três: JUDI, JOCA E JADI...

Nenhum dos três se conheciam e nem conheciam o ambiente salgado daquelas águas. Todos estavam curiosos sobre esse novo mundo das águas marítimas, no centro dos oceanos.

JUDI pegou carona nas águas da lagoa que se dirigiam pro mar. Não conhecia o caminho, se aventurou  a “deixar-se levar”. Na medida em que se afastava de seu espaço aquático, crescia-lhe uma certa ansiedade. Nunca tinha saída do ambiente turvo onde vivia. Quando as águas que o conduziam, desembocou no rio que ia pro mar, ao entrar no oceano levou um susto enorme. Primeiro pela imensidão de águas, que viu pela frente, e, segundo pelo gosto salgado que tinham. Duvidou se seria capaz de se adaptar. Mas, estava resoluto, queria ser protagonista nessa primeira assembleia, pois, ia representar seu grupo. Foi com a cara e a coragem. Ao nadar, seguindo a correnteza, foi vendo outros peixes, alguns jamais imaginado por ele que existissem, grandes, enormes de peso descomunal. Pensou como conseguem nadar? Pensou em perguntar se não fazia regime. Ao passar por eles respirava fundo com medo de ser engolido por um deles. Notou também cardumes com cores diversas, que nadavam em círculo, ao passar por ele, temia não encontrar oxigênio do qual precisava para respirar. Ficou inseguro, ninguém lhe avisara dessas novas espécies. Concentrou-se para não perder o rumo e nem o folego, pois, queria chegar ao destino antes do escurecer. Nadou de braçadas mais aceleradas, seguindo a corrente das águas que iam em direção ao centro do oceano. Não havia placas indicativas, era pura intuição e  instinto a lhe guiar. Arrastava sua bagagem com frenesi, tinha medo de que se rompessem os laços que havia feito para proteger. Ela estava cheia de nadadeiras. Pensou que poderia precisar de fazer várias trocas. Ficou preocupado se estaria com vestes adequadas, temia ser criticado pelos outros, sobretudo, do que iam pensar dele em seus trajes, embora o protocolo não exigisse nada de especial. Mas, mesmo assim, estava preocupado em causar uma boa impressão. Pois dizem que a primeira impressão é a que fica depois. Como os outros vão avaliá-lo? O que vão pensar?  Como não conhecia o clima, trouxe algumas nadadeiras para as águas frias, outras para o calor. Procurou pela hospedagem mais próxima do local da assembleia que era bem no meio do oceano. Ali chegando, não tinha ainda noção da profundidade das águas. Estranhou o cheiro dela e o gosto salgado que tinha. Informou-se na portaria quais eram as disponibilidades de hospedagem e os costumes dos habitantes locais. Pensava em encontrar uma toca como a que costumava dormir em sua lagoa. Foi informado que havia diferentes etnias cada uma com seus costumes. Foi-lhe apresentado quatro opções de ambientes com seus habitat e costumes. A  dos Peixes costeiros, que vivem entre a linha de costa e a borda da plataforma continental. A dos Peixes de águas profundas, que vivem abaixo da zona fótica do oceano, onde não penetra luz suficiente para que ocorra a fotossíntese’. A dos Peixes demersais que vivem no fundo do mar ou de um lago ou perto dele. A dos Peixes de recife de coral que moram nos recifes de corais. Não tinha noção de como esses ambientes eram, tão diferentes de seu habitat de origem. Optou mais por intuição do que por qualquer outra razão. Pediu para se hospedar junto aos peixes demersais, supondo que seria o mais próximo de seu ambiente de origem. Foi informado da programação e dos horários de atividades. Era uma programação estranha para ele. Estava mais perdido do que “peixe de cardumes atacados por golfinhos famintos”. Havia horas para estar no plenário e ouvir explanações sobre o assunto em debate, horários para grupos, horários livres. Pensou consigo que em algum horário livre,  seria uma oportunidade de conhecer o oceano, quem sabe dar uma escapadinha até uma praia. Foi acomodar-se em seu esconderijo para passar a noite.

JOCA chegou bem inseguro, para ele tudo era novo, o mar, as águas salgadas, a dimensão absurda do oceano. Veio com vestes simples, acostumado que estava com seu ambiente natural, sem muitas exigências. Ficou meio constrangido por saber só o zumbido e puns da sua língua materna. Viu peixes tagarelando com sotaques esquisitos. Não sabia a quem se dirigir para achar seu lugar de hospedagem. Estava por ali o Jadi que estava chegando das nuvens. Meio encabulado se aproximou dele e pediu-lhe um favor. Olá, podes me prestar um favor, estou chegando e não conheço o lugar, saberias me dizer onde se pode tratar da hospedagem? justificou-se, pois, era a primeira vez que saia do seu rio. Jadi, mostrou-se receptivo e  logo acionou seu algoritmo e veio o mapa das hospedagem já com sugestão de onde devia ficar. Com ar de submissão, Joca ficou encabulado com tanta informação dadas por Jadi. Aceitou suas orientações e foi para junto da hospedaria administrada pelos peixes de recife e corais. Alguns peixinhos coloridos do local lhe deram as boas-vindas. Acomodou sua mochila ali no canto que lhe foi indicado e ficou observando o ambiente para ver para onde se mover. Logo recebeu uma mensagem do  Jadi dizendo que sempre que precisasse estaria por ali e que contasse com ele. Sentiu-se um pouco mais seguro, menos perdido,  JADI lhe disse que ele não tinha hospedagem fixa, ia depender do andamento dos trabalhos para decidir se ficaria mais com a parte real ou digital. Joca ficou tão envergonhado por não saber nada daquilo que Jadi estava falando, que entrou em crise, sentindo-se fora do seu mundo, totalmente perdido em relação a tudo. Por um momento se arrependeu de ter vindo representar os peixes das águas limpas. Muitas perguntas começaram a surgir em sua cabeça. Não sabia se era sonho ou realidade. Nunca havia saído de seu rio, e agora no meio do oceano, com tantos peixes estranhos de diferentes tamanhos, cores e formatos! Sua cabeça deu nó. Jamais imaginara em se encontrar numa situação dessa. Mas agora era tarde, estava ali e teria que se virar para representar os seus conterrâneos. Não sabia como faria para argumentar defendendo seu habitat para que ele permanecesse íntegro, sem poluição e sem invasão de outros cardumes.  Naquela noite que antecedia a abertura da assembleia, não conseguia conciliar bem o sono. Muitas coisas passavam por sua cabeça. Como ia se apresentar? Onde se sentaria?  à frente para ouvir bem as colocações ou lá atrás meio escondido? Optou por ficar lá no canto esquerdo, meio escondido. Ali tinha a vantagem de ninguém o chamar para dar opinião. Sonhou que estava numa montanha russa. O medo das alturas o fazia tremer, logo em seguida já se via nadando perto de sua casa e sua mãe chamando por ele. No sonho lhe apareceu um mostro que queria devorá-lo, deu um salto e acordou apavorado. Depois de uns instantes ainda meio sonolento, deu-se conta que era apenas sonho, mesmo assim seu coração estava disparado. Levantou-se de manhã, deu uma espreguiçada e uma nadada em volta da sua toca onde dormiu, agitou suas barbatanas. Fez sua higiene e foi tomar sua refeição. Estranhou o bifet ! Havia rações de vários tipos, nenhuma conhecida dele. Deu uma lambedinha numa, não gostou! de outra achou-a meio parecida com a que comia. Comeu dessa, mas ficou com medo de algum desarranjo visceral. Viu, aí perto, o Jadi. Aproximou-se dele, pois, havia se encontrado com ele na véspera. Perguntou-lhe como tinha passado a noite?  Jadi disse que estivera ocupado com a transmissão de seus algoritmos  e ligara seu piloto automático e nem precisou dormir. Joca pensou, que diacho de algoritmo é esse? Nunca vi falar disso! Ficou preocupado se isso aparecesse na assembleia, pois se sentia totalmente por fora. Contou pro Jadi seu sonho. Esse mexeu nuns teclados  e já  apareceu uma lista enorme de interpretações que o deixou completamente confuso. Sua cabeça foi a mil. Se perguntava, que mundo é esse?  Jadi explicou-lhe o significado do que havia aparecido no sonho. Disse: “a montanha russa”, é esse mundo novo desconhecido para você que te deixa confuso e inseguro. “Nadando perto de sua casa e sua mãe te chamando” é você buscando segurança diante de seus medos, quer a proteção de sua mãe. O “monstro que queria devorá-lo” é essa assembleia que te deixa perturbado e não sabe como vai terminar. Essas explicações pareciam fazer sentido. A conversa com Jadi durou pouco porque este recebeu um chamado extraterrestre e Jadi foi atender. Joca estava ficando cada vez mais aflito com o que poderia acontecer na assembleia, começou a se sentir um certo desespero como se estivesse nadando “fora d’água”.

Perambulou por ali,  e logo viu Judi. Como quem não quer nada, foi se aproximando dele para estabelecer uma amizade. Pois sozinho, ali naquele ambiente, era algo assustador.

Olá, Judi, como está?

Judi, com feição meio desconfiada, respondeu, bem!  Mas, de onde você me conhece?

Joca: Chegamos ontem quase no mesmo horário. Te vi na recepção fazendo sua inscrição. Tive até a impressão de que  já te vi antes, em algum lugar, mas não lembro.

Judi, respondeu. Ah! sim. Tá.

Ambos começaram a conversar.

Joca, meio ingênuo, foi logo dizendo de onde vinha, e logo contando sobre seu rio no meio da floresta. Contou que se criou ali e era a primeira vez que saia de lá. Quando pequeno brincava com folhas que caiam das árvores ribeirinhas, e que gostava, quando caia alguma guabiroba ou pitanga n’água . Ele e seus coleguinhas disputavam para ver quem as pegava primeiro, mas, depois repartiam-nas para  comê-las. Contou também que nadava sem nenhuma proteção, porque se via tudo muito límpido. As águas eram de uma nascente no meio da floresta. Havia uma cachoeira. Mas ele não conseguiu subi-la porque era muito alta. Mas, sua Mãe lhe contara que muitas de suas amigas, costumavam fazer piracema, para desovar e procriar e garantir sua prole e descendência. Disse que seus avós e bisavós, e outros peixes mais velhos, nunca saíram de lá. Para estes o mundo era aquele, nasciam, cresciam, procriavam, envelheciam e ali morriam. Esse era o mundo deles. Tinham alimentos que a natureza lhes dava, não tinham ambição. Viviam ajudando uns aos outros. Passado o tempo, os mais jovens começaram a se questionar se o mundo era só aquele. Alguns deles mais aventureiros nadaram para a foz do rio e descobriram que suas águas se misturavam com outras, ficavam turvas e com cheiro ruim. Voltavam meio aparvoados e assustados se perguntando o que estava acontecendo? Foram se informando e descobrindo que havia outras águas e o mundo era maior do que pensavam. Encontraram-se com outros peixes de outras águas e conversando com eles ficaram sabendo que o nosso rio, era apenas um pequeno entre milhares muitos maiores. Alertaram para o problema que estava infectando as águas, causando sérios danos à vida. Nos disseram, se não tomássemos providências, o nosso, poderia ficar contaminado e nossa vida ameaçada. Diante desse alerta começamos a discutir nosso futuro e escolhemos  um grupo  para aprofundar sobre o assunto, porque parecia uma questão importante para nosso futuro. Me elegeram para coordenar os trabalhos. Fizemos muitas reuniões e começamos a conscientizar os mais jovens sobre o perigo que nos ameaçava. Muitos aderiram ao nosso movimento, outros continuaram em sua vidinha, achando que nada ia acontecer. Foi daí que soubemos que haveria uma assembleia para tratar dos assuntos ambientais. E eu fui o escolhido para vir representá-los. Ah! Ao vir para cá já me deparei com a realidade que só sabia de ouvir contar. Nadei em águas sujas e senti o drama de perto, minhas nadadeiras ficaram cheias de limos e sujeiras. Era mais cansativo e não conseguia ver bem o caminho. Percebi que o negócio é sério.

Judi o escutou atentamente. Depois que Joca acabou de falar, Judi começou a explicar-lhe sobre a situação de sua lagoa, de onde vinha. Disse-lhe que aquilo que Joca estava temendo, na sua lagoa já estava acontecendo! As águas não eram limpas como as do rio de Joca. Que havia muita poluição, dejetos, lixo e tantas substâncias que contaminavam as águas. Muitos peixes ficavam doentes, morriam de vários vírus que apareciam. Não fazia muito tempo que apareceu uma epidemia que matou milhares de seus conterrâneos. Na época houve interdição de áreas e recomendações para ninguém sair de suas tocas, aliás havia até decretos nesse sentido. Inclusive havia áreas em que a vida já era impossível. Nenhum peixe aguentava morar lá e tiveram que migrar. Explicou-lhe que estava ali, para participar da assembleia porque queria defender os direitos de ter um ambiente saudável.  E dizia que precisavam se unir todos os peixes, para combater a ganância e a destruição da natureza, porque isso implicava na vida de todos. As águas nascem puras e limpas para proporcionar vida digna para todos os peixes. Se nada for feito todos vão sofrer as consequências.

ABERTURA DA ASSEMBLEIA.

Todos os participantes se reuniram nas águas centrais do oceano. A mesa foi composta. Sentaram-se nela a baleia azul, o tubarão e o golfinho, representando os peixes das águas salgadas. O pirarucu, a Piraíba e o jau pelos peixes amazônicos, carpa, o lambari  e a tilápia, representavam as espécies de águas calmas.

Para presidir os trabalhos a baleia se ofereceu, argumentando que representava a maioria dos peixes grandes do oceano e por isso era justo que presidisse. Disse ainda, com certo ar arrogante, que comandava os peixes oceânicos que tem amplo domínio sobre os mares, portanto, achava óbvio, que, por direito, devia presidir. Já começou se impondo e pondo medo pelo tamanho. O tubarão quis reagir se candidatando também, mas, diante da baleia azul viu que não tinha chance. Candidatou-se a ser vice. O golfinho, todo sorridente, disse que poderia secretariar. E assim os peixes do oceano já começaram a se impor, iam definir as pautas. Houve um murmúrio entre os demais, mas ninguém reagiu, tiveram medo de enfrentar os grandões e aceitaram passivamente.

A palavra ficou, em primeiro lugar, para os que compunham à mesa. Depois seriam abertas para outras manifestações.

A baleia logo tomou a palavra e disse que a assembleia ia discutir a questão ambiental. No seu ponto de vista, não há muito que fazer, visto que nos oceanos que acumulam a maior parte das águas, e a maior parte dos  peixes, segundo ela a situação está sob controle e que não se pode mexer com os direitos dos que lá vivem.

O tubarão, por sua vez, apoiou a baleia, dizendo que sua espécie não estava ameaçada e por isso defendia o status quo.

O golfinho, todo engraçado, subiu na tribuna, deu umas piruetas, arrancou gargalhadas da plateia, mas não tomou posição, só se exibiu um pouco, mais para chamar atenção!

O pirarucu, disse que vive nas águas amazônicas e que já começam a sentir os efeitos das mudanças do clima. As águas dos rios já não são mais constantes como eram. Houve casos em que alguns rios quase secaram comprometendo a vida dos peixes que ficaram sem espaços para nadar e viver, e muitos morreram. Era de opinião que se deve estabelecer limites para as explorações das matas que preservam as águas e as depuram.

A Piraíba não quis se manifestar naquele momento.

O Jau reclamou que a vida deles está constantemente sendo ameaças por anzóis e redes, fazendo diminuir sua população. Temem serem extintos. E que além do mais, seus habitats estão sendo invadidos por materiais plásticos que não se dissolvem e comprometem o ambiente. Vê a situação se agravando e se não houver união e decisões para pôr limites nessas coisas, teme que a vida não só deles, mas de todos os peixes da vizinhança venham a sofrer consequências irreparáveis. Urge tomar providencias.

Chegou a vez dos peixes das águas calmas. 

A carpa meio tímida começou seu discurso, mas, parecia meio confusa. Não tinha clareza sobre o que queria dizer. A plateia pareceu  desinteressar-se por sua fala. Olhou para o lambari e a tilápia, mas os dois estavam encolhidos, amedrontados e não lhe deram nenhuma sugestão, nem apoio. Ficou um certo vácuo. A tendência da assembleia parecia se submeter ao primeiro grupo dos grandões. Isso seria desastroso para o futuro dos peixes, porque já na fala da baleia e do tubarão, deixaram a entender que iam se opor a tudo o que conflitasse com seus interesses. Quanto a isso, estava claro, como dominavam os oceanos, não iam se importar muito com  o que acontecia nas lagoas e rios. Sua posição de força enfraquecia os demais grupos, a menos que houvesse alguma união em defesa do futuro dos rios e lagoas e dos próprios oceanos. Os “grandes” que dominam os mares,  mal se dão conta de que são os rios e lagoas que alimentam, em grande parte, as águas oceânicas, são as águas deles  que renovam as águas oceânicas. Alguém intuiu que seria necessária uma terapia de choque para sensibilizar a turma do status quo, baleia e cia.

Terminada as manifestações dos que compunham a mesa, se propos que se discutisse em grupos para formular  propostas.

Reunião dos três:  JUDI- JOCA – JADI.

Como já se conheciam anteriormente, formaram um grupo para elaborar propostas. No entendimento que tiveram, decidiram que cada um deles representaria uma face do problema. O Judi falaria da questão da contaminação dos rios e lagoas, já que em sua lagoa já havia a poluição e ele conhecia bem seus efeitos maléficos. O Joca falaria da situação inicial dos rios sem a contaminação. Ele conhecia bem por experiência própria. Seu ambiente ainda não contaminado. O Jadi como representantes das águas das altas, falaria dos novos tempos e das novas tecnologias que podem ser empregadas para controle da contaminação dos ambientes. Daria alguns exemplos baseado no funcionamento dos algoritmos, e destacaria a importância da educação das novas gerações sobre o problema, direcionado sobretudo para os jovens que serão os responsáveis do amanhã. Disse que tinha uma estratégia, uma carta na manga, para, na hora certa, dar um choque de realidade.

Combinaram que primeiro falaria o Judi, ele apresentaria a gravidade do problema com exemplos concretos de sua realidade e destacaria os efeitos negativos já presente nas águas das lagoas. Deveria argumentar que não se trata de algo periférico, mas que é questão central em relação ao futuro. Pelos efeitos já sentidos não é difícil prever as consequências desastrosas para o porvir.

O Joca falaria das águas límpidas e saudáveis das nascentes dos rios e como elas levam a vida a todos os habitantes dos rios, e como alimentam as florestas dando às suas raízes a energia que precisam para crescer, dar frutos e preservar a natureza. Destacaria também que sem essas águas o mundo estaria condenado. Enfatizaria que a natureza é geradora de vida e a água está na base dela. Daria também um certo destaque à felicidade dos peixinhos poderem nadar livres, dando cambalhotas sem perigo de adoecerem. Deveria apelar um pouco para o lado emocional para sensibilizar aqueles aferrados aos argumentos de que a natureza tem que ser usada e explorada sem considerar essas preocupações, que segundo eles são tolas, pois argumentam que a natureza se restabelece por si, e por isso não há necessidade de tratados para preservá-la. Joca devia ter uma atitude corajosa. Falando com firmeza e emoção. Mostrando convicção e não apenas interesse de grupo. Podia argumentar com a narrativa das origens que provém dos tempos eternos onde o universo foi criado. Argumentando que nas origens estava o paraíso, em que havia equilíbrio entre toda a natureza, animais, seres humanos, florestas, pássaros e os próprios ancestrais dos peixes. Lá existia um rio que irrigava todo o Edem. Este se dividia em outros quatro rios, o Fison, o Geon, o Tigre e o Eufrates que banhavam todo o paraíso. Toda aquela natureza exuberante e atraente ficou comprometida quando a ganância e o desejo de poder dos primeiros habitantes, quiseram se apossar da árvore da vida. Foi uma tragédia, que ninguém conseguia reconstruir. Podemos dizer de certa forma que as origens dos desiquilíbrios de hoje são um reflexo requintado daquela mesma tendência que se manifesta hoje naqueles que não se importam com as consequências. Diante de tudo isso o Joca ficou meio inseguro, mas incentivado pelos dois companheiros de grupo resolveu encarar. Ficou  também combinado que ele podia deixar o coração falar, pois é dele que vem a ênfase para o discurso. Assim acertados, começaram esboçar o projeto a ser apresentado.

JUDI: subiu à tribuna e se apresentou. Venho aqui como representante das águas poluídas. Nasci e me criei numa lagoa onde o fenômeno da poluição se faz presente, e sou testemunha do mal que isto vem causando a minha geração e dos meus pais, avós e sobretudo para os peixinhos que nascem nesse ambiente. Temos enfrentado diversas crises e epidemias que tem levado à morte muitos de nossos peixes. As águas cada vez mais poluídas, causando dificuldade de natação e contaminação de nossas fontes de alimentos. Muitos elementos estranhos ao que é natural envenenam as águas e estas contaminam as margens e as árvores que antes eram viçosas e cheias de vida se apresentam agora com folhagem amareladas, ser vigor e com escassez de frutos. Além disso nossas águas já não correm livres e transparentes, são mais vagarosas pelas cargas de detritos que precisam carregar. Estamos todos de nadadeiras amarradas, cheias de manchas desfigurando nossa pele e nos adoecendo. Nesse momento emocionou-se e com esforço se conteve. No íntimo se lembrou de um amigo que ficou desfigurado e foi rejeitado. Não precisamos mais de provas para constatar a realidade ela já é nosso cotidiano, infelizmente. Temos consciência de que é preciso uma ação de conjunto. Temos feito pequenas experiências como recolher o lixo e colocá-lo em aterros sanitários, também reciclando uma parte. Mas, embora essas ações positivas, percebemos que é preciso ação mais contundentes e isso depende não somente de nós, mas de um envolvimento de todos os peixes das lagoas, dos rios e dos oceanos. Em nosso modo de ver não basta ações paliativas, é necessário ações mais globais. As estatísticas alarmantes que já dispomos são sinais suficientes para nos dizer que está na hora de ações globais concretas. Por isso propomos: 1) uma ação conjunta de todos os peixes dos mares, dos rios e das lagoas, fazendo uma campanha universal de conscientização sobre essa nova realidade, destacando que isso já vem comprometendo a nossa geração e com muito maior prejuízo para as próximas gerações. 2) criar um fundo que financie ações de despoluição. 3) campanha intensiva, mostrando a realidade já comprometida e os resultados já sentidos em nossos rios, lagoas e oceanos. Judi foi aplaudido pela assembleia.

JOCA subiu à tribuna com olhar fixo na plateia encarando com ar de seriedade e preocupação. Iniciou sua apresentação se apresentando brevemente, dizendo que vinha de um riacho que ainda está preservado e que as águas correm límpidas conforme nasceram de suas vertentes. Disse que está ali para defender a preservação das áreas ainda não contaminadas, mas não livres das ameaças que já atingem lagoas e mares. Descreveu a vida livre dos peixes, que mantem sua saúde e podem criar seus peixinhos num ambiente saudável. Disse que em seu habitat, embora ainda preservado, as notícias que chegam, dizem que isto pode ser por pouco tempo, caso não se tome providências. Sabemos pelos noticiários que os prejuízos que ocorrem nas águas contaminadas são estarrecedores. Há muitos entre seus conterrâneos que dão pouca importância por ainda não sentirem os efeitos em nosso ambiente, ficam passivos. Mas, já há grupos, sobretudo, dos peixes mais novos que se comunicam com os das lagoas e mares,  já começam a se preocupar.  Por isso  apoio a proposta de Judi sobre a conscientização e proponho com ênfase uma campanha de preservação. Manter a qualidade das águas é uma questão que não diz respeito só à lagoa onde vivo, mas de todos as águas. Proponho um slogan de “preservação integral da natureza” – “nas águas é a vida que corre”.  Foi aplaudido pela assembleia.

JADI. Chegou a vez de Jadi apresentar sua proposta. Subiu carregando uma parafernália de controles remotos, com muitos botões, que manipulava com maestria. Antes de apresentar sua proposta, acionou uma porção de algoritmos que mostraram instantaneamente imagens das colocações das propostas apresentadas por Judi e Joca. A todos parecia que estavam em frente àquelas realidades, tal era a qualidade das imagens bem como os movimentos. Em algumas cenas da lagoa apareciam peixes mortos, boiando e urubus se fartando deles. Mostrou cenas não só de lagoas, como de rios e oceanos inundados de lixo plásticos e de outros gêneros. Mostrou mesmo o de uma baleia jacarte morta. Esta cena fez a baleia azul, que presidia a assembleia, se virar, e como que surpresa pela imagem, mudou de semblante . Viu-se tocada pela situação de sua parenta morta. Antes arrogante e dona de si, agora perplexa e desnorteada. Sentiu o abalo da situação, pois pensava que os oceanos por ela frequentado estavam livres das ameaças da poluição. Jadi, percebendo a reação, tirou de sua manga sua carta! Girou a imagem da baleia morta, focando sua decomposição, mostrando até o ar fétido que exalava. Suas imagens eram contundentes. Percebeu que havia tocado no ponto fraco da baleia azul, deixou a imagem mais tempo exposta. Pensou consigo; “Ponto para nós”! e riu internamente. Havia abalado a prepotência da baleia! O tubarão, que até então, parecia indiferente, também movimentou-se rodopiando em volta do seu lugar, dando a impressão que fora também atingido pelas imagens expostas. O golfinho fez uma carreta de asco, vendo a baleia em decomposição, exclamou, ai, que nojo! O pirarucu, que estava atento às propostas apresentadas, virou-se para a Piraíba e comentou em puns baixo. Tá vendo, é isso que vai acontecer lá nos rios amazônicos se nada for feito. Até os peixes das águas calmas, até então meio imóveis, se arrepiaram de ver as cenas. As imagens mostradas pelo Jadi, causaram um impacto em toda a assembleia. As imagens falam mais que os discursos. Jadi queria mesmo causar impacto e chamar atenção para a gravidade da situação. Enquanto a plateia reagia, com sua habilidade, mostrou imagens de deterioração das águas de vários lugares do mundo. Seus algoritmos focavam aspectos pontuais mostrando também a agonia e sofrimentos de peixes contaminados e da revolta que acontecia entre os parentes dos moribundos. Muitos da plateia visivelmente emocionados escondiam as lágrimas, embora estas caiam e se misturavam com as águas do oceano. Todos, quase unânimes, reclamando da falta de ação dos que dominam e exploram as águas sem o cuidado de sua preservação. Depois de mostrar imagens impactantes, Jadi Iniciou a colocação de sua proposta. Disse que representava ali as águas altas, que detém hoje tecnologia capaz de reverter a situação. Por isso, propos um investimento em pesquisas mais eficazes direcionados para resolver o problema do efeito estufa e dos biomas em perigo. Disse apoiar as propostas antes apresentadas e que era preciso contemplar as experiências que já foram testadas com novas tecnologias. Mas acima de tudo disse que era preciso resgatar a verdadeira identidade dos peixes. Disse isso com conhecimento de causa, pois sabe que a tecnologia por si só não tem “alma” e nem consciência das consequências que pode gerar para o bem ou para o mal. Nesse sentido, num gesto de humildade, reconheceu que sua geração algorítmica não tem os verdadeiros sentimentos presentes nas outras espécies de peixes. Reconhece que a identidade  desta nova geração, da qual faz parte, às vezes, se torna confusa por viver em dois mundos, a do real e a do digital. Para isso disse ser importante restabelecer a sensibilidade mais profunda da “psique” própria dos “ichthys.”  Este é um desafio grande, destacou, para sua geração, mas é preciso também ela ser restabelecida. Por isso também propõe o estabelecimento de condutas que contemplem as novas possibilidades oferecidas pela tecnologia, mas resguardando a “alma” ichthys.  Foi interrompido com aplausos pela plateia.

Para finalizar, disse que rendia homenagem aos antepassados que em alguns aspectos souberam melhor que hoje lidar com a natureza, respeitando seus ritmos e estações. Se solidarizava com as espécies de peixes ameaçadas pela  ambição e descontrole sobre os princípios da natureza. Dizia também da importância da continuidade de estudos e pesquisas, valendo-se das descobertas das novas tecnologias nascida da curiosidade de mentes brilhantes de peixes, tanto dos rios, como das lagoas bem como dos oceanos. Finalizou, dizendo, que se dispunha a ajudar a encontrar soluções para esses graves problemas ambientais, destacados nesta assembleia. Em ato contínuo, mostrou uma faixa elaborada pelo grupo com os seguintes dizeres:

 “Nas condições atuais da vida dos peixes de todo planeta, onde há tantas desigualdades e são cada vez mais numerosos os peixes descartáveis, privados de seus direitos fundamentais, o princípio do bem comum torna-se urgência, como decorrência lógica e imprescindível, um apelo à união, à  solidariedade e um olhar preferencial para salvar os mais débeis desta situação”. (Laudato si adaptado)

Observação: o local da assembleia foi escolhido pelo significado simbólico que tem. Bem no centro das águas oceânicas! Para ali todas as águas convergem e dali se propalam pelo universo. Ali está  a origem de todas as águas. Para Ali convergem todas as águas procedentes de todos os rios, de todas as lagoas, de todos os mares. Ali, está a fonte de todas as águas. O coração delas. Nelas borbulham as forças da natureza e espalham suas esperanças. Ali, lugar de chegada e de partida.  Dali sobem aos céus para chover, purificadas nas alturas celestes, sobre a terra, rios, lagoas, florestas e mares. Reunir-se ali é voltar às fontes originais. Ali lugar de decisões em favor da vida ou contra ela. Não há espaços para omissos ou alienados, porque todos estão em causa.  Esse centro oceânico evoca e convoca para o espírito de comunhão e de solidariedade universal. Porque todos os peixes, de suas diversas espécies, estão com suas vidas condicionadas pelas águas. Se poluídas, o caos é o futuro. Se límpidas é o futuro sem caos.