
20 OUTUBRO 2025
PE. DEOLINO PEDRO BALDISSERA, SDS
Algum tempo atrás estava eu dando plantão em um hospital. Logo de manhã uma enfermeira veio e me disse: Pe. o paciente X do quarto 0? está gravemente doente. A notícia foi dada ontem à família, mas ele ainda não sabe. Não sabemos se é oportuno dizê-lo. Contudo o paciente parece pressentir que algo não vai bem, mas reluta em aceitar sua situação, porque diz: “até um mês atrás tudo estava bem”! Quem sabe o Sr. indo lá, falando com ele possa ajudá-lo e tranquilizar um pouco a família!
Pensei comigo, é verdade, quem sabe! Preparei-me um pouco e pensei em descobrir uma maneira de levá-lo a refletir sobre seu sofrimento, encontrar um sentido para ele e ajudá-lo a colocar sob a perspectiva da redenção de Cristo. Tinha como objetivo final oferecer-lhe a possibilidade da reconciliação e unção dos enfermos. Munido desses pensamentos, bati à porta do quarto! Entrei. A esposa do paciente estava sentada na poltrona com o rosto apoiado pelas mãos um pouco desolada. Saudei-a e saudei o paciente. Apresentei-me “sou o capelão substituto do hospital e estou fazendo visita aos doentes...
Começamos a conversar. Desde que entrei no quarto e enquanto conversávamos notei que o paciente olhava suas mãos com insistência parecendo contemplá-las! Enquanto falávamos, embora participasse da conversa, continuava a olhar suas mãos e esfregá-las uma contra a outra, a olhá-las mais de longe, às vezes aproximando-as do peito, passando sobre o estomago de onde provinha os incômodos da doença. Depois de interessar-me sobre suas preocupações, seus sofrimentos, suas esperanças, procurei incentivá-lo a manter a coragem. Falei-lhe do sentido do sofrimento, enfim falei-lhe ainda da ajuda que poderia dar-lhe o sacramento da unção dos enfermos. O nome lhe pareceu um pouco estranho, entendeu-o pelo nome antigo “extrema unção”. Fez-me um sinal com o dedo indicador “não”. Gesto que acompanhou com a cabeça. Sua esposa, fazendo torcida para que aceitasse, ficou com ar de decepcionada. Conversamos mais um pouco, disse da missa que há no hospital diariamente, da comunhão que se leva aos doentes que a desejam. Fez a conta com os dedos. Hoje é quinta feira contou até domingo. Éh! Domingo, se estiver em condição irei à missa! Disse-me meio sem convicção e mais por livrar-se da visita importuna. Finalmente, pediu-me para ajudá-lo para ir ao banheiro. Levei-o até a porta, despediu-se agradecendo a visita! Troquei algumas palavras com a esposa que ficara triste! Disse-lhe, ter paciência, Deus saberá qual será a melhor hora para as coisas acontecerem. Depois da visita, na capela rezei por ele, pela família e visitando outros doentes disse para oferecer um pouco do seu sofrimento por aqueles que estavam desenganados.
Nesse fato algo me chamou atenção! O paciente e suas mãos! Ocorreu-me vários pensamentos, entre eles este: “a vida sobre as mãos”!
Quando se chega aos 60-70 anos ao contemplar as mãos, pode emergir diversas conclusões! Depois de viver tantos anos empenhando as mãos com tantas coisas, elas se tornam um espelho da própria vida! O que acumulou, o que distribuiu; para que se abriu ou fechou; a quem acolheu ou repeliu; a justiça que praticou ou a falsidade em que viveu; quanto recebeu, quanto deu; a quem bendisse ou maldisse; Quantas vezes se juntou para agradecer ou fechou-se para não repartir!
Na hora do balanço final, quando tudo começa a ser verificado, quando o momento fatal se pressente próximo, contemplando as mãos, o que encontramos sobre elas? Mãos que sempre estiveram ocupadas, cheias de coisas e agora estão vazias?! Mãos que quiseram garantir a vida e agora sente-a fugir por entre os dedos? Mãos que apontaram os erros dos outros e esconderam os seus? Mãos sem calor para acolher e agora estão frias para a despedida? Mãos sem tempo para ajudar os outros, agora sem força para ajudar-se a si mesmo? Mãos que pareciam tão seguras e convictas agora tremulantes e cheias de medo? Mãos que de vez enquanto dava uma esmola para apaziguar um pouco a consciência e agora, vazias o atormentam? Mãos que se preocupavam em demasia consigo mesmo e agora sentem-se impotentes com o próprio nada? Mãos que viveram em função do dinheiro e agora faltam-lhes a paz? Mãos que se fecharam para Deus e agora não são capazes de aceitar sua misericórdia? mãos, quiçá, que pouco creram e agora recusam o perdão? Mãos que quiseram garantir o destino a juízo próprio e agora tocam a própria dor e a própria impotência? Mãos que fizeram muitos cálculos e agora ainda veem Deus como negociante? Mãos que não se abriram para a verdadeira vida e agora amedrontam-se diante da morte? Mãos, oxalá, haja tempo antes de se fecharem para sempre, juntarem-se para reconhecer o próprio pecado e baterem sobre o próprio peito, prontas para acolher o perdão que veio das mãos que estiveram estendidas sobre a cruz e que agora distribui em abundância sua misericórdia, o perdão e a paz que o mundo não dá. Mãos, que agora se fecham para agradecer a vida e o bem que fez, entregando-se nas mãos eternas do Deus da vida em plenitude.
