15 jan 2017 - Neste domingo iniciamos o chamado Tempo Comum da liturgia. O Tempo Comum é um período do ano litúrgico de trinta e quatro semanas, nas quais são celebrados, na sua globalidade, os mistérios de Cristo.
Comemora-se o próprio mistério de Cristo em sua plenitude, principalmente aos domingos. Durante este tempo litúrgico o celebrante usa o paramento de cor verde, ressaltando que os cristãos devem sempre estar na esperança da volta do Messias.
O texto do evangelho nos apresenta a cena do encontro entre Jesus e João Batista, à margem do rio Jordão, de acordo com o evangelista São João, que antes de ser discípulo de Jesus era discípulo de João Batista, juntamente com o seu irmão Tiago, com Simão e André, todos da Galileia, todos pescadores. Portanto, João Batista vê Jesus que se aproxima no meio da multidão e O reconhece como o enviado de Deus; por isso, o indica com as seguintes palavras: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” (Jo 1,29).
Esta afirmação de João Batista, identificando Jesus como o “Cordeiro de Deus” (Jo 1,29), evoca, provavelmente, duas imagens tradicionais extremamente sugestivas. Por um lado, evoca a imagem do “servo sofredor”, o cordeiro levado para o matadouro, que assume os pecados do seu Povo e realiza a expiação (cf. Is 52,13-53,12); por outro lado, evoca a imagem do cordeiro pascal, símbolo da ação de Deus em favor de Israel (cf. Ex 12,1-28). Qualquer uma destas imagens sugere que a pessoa de Jesus está ligada ao bem da humanidade.
Em conformidade com o testemunho de João Batista, Jesus manifesta as características do Servo do Senhor, que “tomou sobre si as nossas enfermidades, carregou os nossos sofrimentos” (Is 53, 4), a ponto de morrer na cruz. Ele é o verdadeiro Cordeiro pascal, que mergulha no rio dos nossos pecados para nos purificar. De igual modo o “Servo do Senhor”, como nos diz a primeira leitura, é comparado a um cordeiro.
O cordeiro é um animal que certamente não se caracteriza pela força, não é agressivo, mas dócil e pacífico; não mostra as garras nem os dentes diante de qualquer ataque. Sete séculos antes de Cristo, o profeta Isaías predisse que o Messias seria levado à morte, “sem abrir a boca, como um cordeiro conduzido ao matadouro” (cf. Is 53,7). São Paulo disse: “Cristo, nossa Páscoa, foi imolado” (1Cor 5,7). Assim, Jesus é semelhante a um cordeiro. Porém, Jesus é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo; e é o Filho de Deus que possui a plenitude do Espírito Santo.
A imagem de Jesus, com seu sacrifício na cruz, se torna o verdadeiro Cordeiro pascal que destrói para sempre o pecado do mundo. Cordeiro sem mancha, aceitou livremente os sofrimentos físicos e morais impostos pela injustiça dos pecadores e, neste contexto, assumiu Ele todos os pecados dos homens, toda ofensa a Deus. Neste sentido, São Paulo sublinha que Jesus carregou, Ele mesmo, em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados (cf. 1Pd 2,24).
No momento em que Cristo era imolado na cruz, também no templo eram imolados os cordeiros pascais. Jesus é também este Cordeiro imolado, como nos narra o Livro do Apocalipse: “Digno é o Cordeiro imolado de receber o poder, a riqueza, a sabedoria, a força, a glória, a honra e o louvor” (Ap 5,12). E, na sua entrega ao Pai, Jesus assume a condição de Cordeiro Salvador do mundo, se entregando voluntariamente pelos nossos pecados (cf. Gl 1,4).
Os hebreus tinham o costume de matar um cordeiro em sacrifício a Deus, para remissão dos pecados. O sacrifício de animais era frequente entre vários grupos étnicos, em várias partes do mundo. Na Bíblia é referido, por exemplo, o caso de Abraão que, para provar a sua fé em Deus teria de sacrificar o seu único filho, imolado e queimado numa fogueira de lenha, como era costume para os sacrifícios de animais. O relato bíblico refere, contudo, que Deus não permitiu tal execução (cf. Gn 22,1-18).
A morte de Jesus Cristo, considerado pelos cristãos como filho unigênito de Deus, tornaria estes sacrifícios desnecessários, já que sendo considerado perfeito, não tendo pecado e tendo nascido de uma Virgem por graça do Espírito Santo, semelhante a Adão antes do pecado original, seria o sacrifício supremo, interpretado como o maior ato do amor de Deus para com a humanidade.
Contudo, Jesus é o cordeiro em um sentido novo. Ele é o Cordeiro de Deus. Como também descreve o Evangelista São João: “Ele é a expiação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo” (1Jo 2,2). Jesus apareceu para tirar o pecado e nele não há pecado (cf. 1Jo 3,5). Na Instituição da Eucaristia declara-se explicitamente que “o sangue é derramado para a remissão dos pecados” (Mt 26,28).
Entretanto, chama a nossa atenção que o texto evangélico, neste versículo, diz João Batista: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” (v. 29). O termo “pecado”, aparece no singular, indicando que a missão de Jesus consiste em expiar, no sentido único, “o pecado do mundo”, que oprime a humanidade inteira e a torna escrava do pecado. Com Jesus o pecado vai ser eliminado, vai ser tirado da humanidade.
A situação de pecado vivida pela humanidade, o pecado do mundo, já existia antes da chegada de Jesus Cristo. Jesus terá como missão designada por Deus: eliminar o pecado da humanidade. A expressão “pecado” está no singular, por ser o único, determinado pelo artigo “o”. E o Batismo será o meio de tirar o pecado do mundo. O batismo, portanto, tem como finalidade de tirar o pecado, uma ação sobre o indivíduo que o recebe. O que Jesus realizará não é combater o mundo e o pecado, mas sim dar a possibilidade de cada indivíduo de sair do domínio escravizador do pecado.
João Batista, ao chamar Jesus de “cordeiro”, também o identifica com os cordeiros imolados no Egito, durante a noite da libertação dos israelitas que estavam como escravos do faraó. Todas as famílias imolaram um cordeiro e com o sangue desses cordeiros ungiram os umbrais das suas casas, de modo a preservá-los da fúria do anjo exterminador. Com isto, todos foram salvos do extermínio. João quer confirmar que Jesus veio ao mundo para dar a sua vida por nós. O seu sangue liberta os homens do pecado e das forças do mal, que os conduzem à morte.
E, de fato, na hora em que Jesus morria na cruz, era imolado no Templo o cordeiro pascal para os judeus comemorarem a Páscoa. São Pedro também disse que não fomos resgatados pelo preço de ouro ou de prata, mas “pelo sangue precioso de Cristo, o Cordeiro sem mancha” (cf. 1Pd 1,18-19).
A função de “tirar o pecado do mundo” indica que a missão de Jesus consiste em libertar cada ser humano do pecado, para introduzi-lo na terra da fraternidade. Tirar o pecado do mundo é precisamente o legado que Jesus, com o dom do Espírito, deixa aos seus apóstolos quando de sua ressurreição (cf. Jo 20,19-23). Acreditar que Jesus é o Cordeiro de Deus implica mudanças radicais em nossa vida.
João Batista apresentou Jesus aos seus discípulos com absoluta certeza de que Ele era o prometido, o Filho de Deus. Nós, os seguidores de Jesus, assumimos a sua missão de ser como Ele: Luz das nações para que a salvação chegue até os confins da terra. Seremos luz em Cristo e nele levaremos a luz por toda a terra. Crer em Jesus é continuar no mundo a sua missão. A missão do Cordeiro continua no mundo através de seus discípulos, entre os quais sobressaem os santos e todos os batizados. Possa nos ajudar a Virgem Maria, a quem sempre pedimos que interceda por cada um de nós, para que possamos ser, em todos os momentos, uma oferenda perfeita. Assim seja.
D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento – RJ
Fonte: www.presbiteros.com.br